quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Vista Parcial da Noite

Um dos livros encomendados que não chegou a ser comprado no Brasil, pelo Carlos, foi Vista Parcial da Noite de Luiz Ruffato, encontrei-o, surpreendentemente numa FNAC a preço da uva mijona. 
Vista Parcial da noite é o terceiro volume, de cinco, de uma série intitulada Inferno Provisório, uma série de romances que retrata a classe operária entre a década de 50 do século passado e o início deste. Tinha lido uma lista de livros que o considerava como um dos livros recentes da literatura brasileira a ler, pela temática parecia-me um romance neo-realista, mas enganei-me, para o ser precisava de uma visão (e função) politizada, que não tem, pelo menos de forma direta e objetiva. 
Vista Parcial da Noite não é um romance per si, mais um livro de contos. Ruffato diz que teve dificuldade em encontrar a forma para a série. Não queria escrever um romance nos moldes tradicionais, que descreve como uma forma de e para expressar uma visão do mundo burguesa. Não queria escrever uma série de romances sobre o proletariado numa forma burguesa, por isso, foi protelando a publicação de Inferno Provisório. 
Quando lançou Eles eram muitos cavalos, a editora não o viu como um romance, mas como um livro de contos, e livros de contos não vendem. Com o sucesso do livro e os prémios que ganhou, Ruffato achou que a forma podia ser usada com sucesso para Inferno Provisório. 
Desta forma, Vista Parcial da Noite não segue um determinado número de personagens do início ao fim, a personagem principal é a classe operária, nas suas diferentes concretizações. Assim, são onze histórias, que nos mostram as misérias e agruras num sem número de cenários em Cataguases, uma mãe abandonada pelos filhos, um jovem abalado pela notícia ouvida na rádio - Cataguases vai ser bombardeada pela Lutwaffe, a homenagem às antigas Rainhas do Carnaval, o nascimento e fim de um clube de futebol, entre outras tantas vivências doridas. Ruffato domina o ofício da escrita, esta é multiforme, viva, rápida, depurada, pede uma leitura atenta e demorada. Pessoalmente, foi uma surpresa. A primeira página chocou-me e animou-me ao mesmo tempo. A ausência, por vezes, da pontuação requerida, a profusão de vozes, a descrição multiforme agarrou-me desde o início, mas não sabia ao que ia. Tentei nos primeiros três contos encontrar pontos de contacto, personagens, para ser mais explícito, sem grande sucesso. Compreender a estrutura do romance enquanto conto e a classe operária enquanto personagem coletiva foi parte do prazer da leitura.

Reduzir o prazer que tive ao ler Vista Parcial da Noite à forma é redutor (desculpem-me a redundância). Dizê-lo seria reduzir o livro à forma (exterior), os contos são narrativamente fortes, mas a trama é suficiente para que os mesmos permaneçam. No entanto, a estrutura interna do romance, deduzo que da série, a forma como vai desvelando a realidade social e familiar, emocional e psíquica das personagens, faz deste pequeno livro um enorme prazer. 
Escrevia há dias que há autores que leio somente pela escrita, deixando a trama para segundo plano, Ruffato junta as duas coisas, de uma forma quase nova. 

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