quinta-feira, 8 de junho de 2017

Tenho-me lembrado do D., nascido no mesmo mês que eu, morto aos dezoito. Não terá sido a primeira vez que lidei com a morte, mas foi a primeira vez que um amigo de infância morreu. Sabia que estava no hospital. Nas festas do Seixal, em 1998, perguntei a um amigo por ele, entre uma bifana e, provavelmente, uma cola, a notícia entalou-se-me na garganta, entre a música alta, o fumo de grelhados e os amigos que se iam encontrando, a escola a terminar, os exames à porta, o “sonho” da faculdade a obrigar alguns a estudar e aquele baque, o D. morreu. O D. já não vai para a faculdade…
O D. que me acompanhou no percurso escolar desde a primária, de sorriso fácil e sincero, o D. que atropelou um carro, a caminho do café, enquanto esperávamos pelo autocarro, para comprar gomas, nós a rirmos, a condutora a olhar para o carro, aterrada e o D., atrapalhado e semi-assustado, a levantar-se para voltar ao percurso interrompido.
O D. que tantas vezes fazia comigo o caminho a pé da escola até casa, não porque não tivéssemos passe, mas porque não tínhamos paciência para esperar pelo autocarro, vínhamos, ele, eu e mais alguns, estrada fora, com paragem obrigatória em dois ou três sítios que tinham máquinas de jogos. Guardávamos religiosamente uma ou duas moedas para aqueles cinco, dez minutos de futebol ou wrestling electrónico.
Tínhamos aulas ao sábado e enquanto esperávamos pelo autocarro, íamos até à outra paragem, mais longe da habitual, porque tinha um café com tv, que dava o wrestling narrado pelo Tarzan Taborda e íamos vendo, rindo e simulando um ou dois golpes.
Lembro-me do D. andar à batatada com o I. e uma ou duas horas depois não ser nada, amigos como dantes. Será que é assim ainda hoje? Será que não seríamos todos enviados à direção da escola, com uma suspensão na agenda? O D. a colocar o braço do I. por cima dele e a dizer ao professor, olhe o I, está-me a bater. E o I. a ser mandado para a rua, a enviar cadeiras ao ar, a bufar de ira. E os três a irmos a pé para casa, depois, como se nada tivesse acontecido.
O tempo limpa as memórias, mas também as aguça. Os mortos, e são poucos ainda, vão aparecendo de vez em quando, pontilhando com saudade alguns locais, alguns sentimentos.
Tenho-me lembrado do D.

Sem comentários:

Enviar um comentário